Ayres Westin Advogados

Uma nova oportunidade para o setor de vidros planos: Exclusão do regime de substituição tributária em São Paulo

Compartilhe

A portaria SRE 64/25 exclui vidros planos da ST em SP, trazendo ICMS mais justo e fluxo de caixa melhor.

O governo do Estado de São Paulo publicou, em 2 de outubro de 2025, a portaria SRE 64/25, que altera a portaria CAT 68/19 e exclui diversas mercadorias do regime de substituição tributária do ICMS (ICMS-ST) a partir de 1º de janeiro de 2026. Entre os setores impactados está o vidreiro, especialmente no caso dos vidros planos, classificados nos códigos NCM 7003, 7004, 7005, 7007.19.00, 7007.29.00 e 7009.

A substituição tributária foi criada como forma de antecipar o recolhimento do ICMS e concentrar a arrecadação em um único contribuinte – normalmente o fabricante ou o importador. Esse contribuinte, chamado de substituto tributário, recolhe o imposto não apenas sobre sua própria operação, mas também sobre as etapas seguintes da cadeia de circulação, com base em uma margem de valor agregado presumida.

A lógica do regime é simples: o Estado arrecada o imposto de uma só vez, reduzindo a possibilidade de sonegação e simplificando o controle fiscal. Contudo, essa sistemática se mostra eficiente apenas em setores com cadeias curtas e previsíveis, como bebidas, cigarros e combustíveis, em que é possível estimar com precisão o preço final de venda.

No caso do vidro plano, a aplicação do regime sempre gerou controvérsias. Trata-se de um produto intermediário, que passa por diversas fases de beneficiamento e transformação antes de chegar ao consumidor final. O vidro pode ser cortado, laminado, temperado e incorporado a móveis, janelas, veículos e equipamentos de energia solar.

Ocorre que, a antecipação do recolhimento do imposto sobre um bem ainda em processo de industrialização contrariava a lógica do sistema e criava distorções ao longo da cadeia produtiva.

Na prática, o regime da ST impunha dificuldades significativas. As MVAs – margens de valor agregado raramente refletiam a realidade do mercado, o que resultava em pagamentos incorretos e na necessidade de ressarcimentos e complementações constantes.

Não bastasse a complexidade operacional, a antecipação do imposto comprometia o fluxo de caixa das empresas, que recolhiam ICMS sobre operações ainda não realizadas, reduzindo a competitividade e a capacidade de investimento do setor.

Outro ponto crítico era o impacto na não cumulatividade do imposto. Ao concentrar a tributação no início da cadeia, o regime impedia o aproveitamento integral dos créditos de ICMS nas etapas seguintes, tornando o tributo cumulativo e elevando o custo final dos produtos. Esse efeito era especialmente prejudicial para as indústrias de transformação, que operam com margens estreitas e alto volume de insumos.

Com a exclusão dos vidros planos da substituição tributária, as operações passam a ser tributadas conforme o regime regular de débito e crédito previsto na LC 87/1996 (lei Kandir). O imposto voltará a ser apurado sobre o valor real de cada operação, e não mais sobre margens presumidas.

Tal mudança corrige distorções históricas e devolve ao setor uma tributação mais transparente, neutra e alinhada à realidade produtiva.

Isso porque, a nova sistemática deve simplificar o cumprimento das obrigações fiscais, reduzir a burocracia e melhorar o fluxo de caixa das empresas. Também tende a diminuir a litigiosidade e promover uma concorrência mais equilibrada entre contribuintes, já que o imposto passará a incidir de forma proporcional à efetiva geração de valor em cada etapa da cadeia.

Durante o período de transição, até 31 de dezembro de 2025, a Secretaria da Fazenda e Planejamento realizará ajustes nas margens de valor agregado aplicáveis às mercadorias ainda sujeitas à ST, observando os procedimentos da portaria CAT 28/20 para a apuração de créditos sobre estoques. As empresas devem revisar controles internos, parametrizações fiscais e políticas de precificação, garantindo uma adaptação segura ao novo modelo de apuração.

Do ponto de vista técnico, a medida representa um avanço importante na adequação do regime do ICMS à realidade produtiva do Estado. A substituição tributária, embora tenha surgido como instrumento de eficiência arrecadatória, deixou de cumprir essa função em setores com cadeias longas e de difícil mensuração de margens, como o de vidros planos.

Desse modo, a exclusão anunciada pela portaria SRE 64/25 corrige uma distorção que penalizava a indústria transformadora e restabelece a coerência entre a tributação e a dinâmica das operações. Espera-se, com isso, não apenas uma simplificação no cumprimento das obrigações fiscais, mas também a redução de litígios e a criação de um ambiente concorrencial mais equilibrado.

Para as empresas do setor, o momento é de revisão e preparo. Será necessário reavaliar políticas de precificação, parametrizações fiscais e controles de estoque, especialmente quanto aos créditos de ICMS decorrentes de mercadorias adquiridas sob o antigo regime.

A nova medida traz ganhos de transparência e previsibilidade, além de representar um passo concreto em direção a um sistema tributário mais racional e alinhado aos princípios da não cumulatividade e da neutralidade fiscal.

Publicado no Migalhas.

Compartilhe