O regime de lucro presumido, uma das principais formas de tributação das empresas no Brasil, entrou no radar do governo federal e pode passar por alterações. O projeto proposto pelo Executivo para cortar de forma linear isenções fiscais também eleva em 10% a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sob este regime.
O lucro presumido é adotado principalmente por empresas de pequeno e médio porte que faturam até R$ 78 milhões por ano. Em vez de apurar o lucro real, que exige controles contábeis complexos, a Receita Federal presume uma margem de lucro sobre a receita bruta e aplica tributos sobre esse valor.
Dessa forma, a tributação fica hoje em:
- Comércio e indústria: 8%
- Serviços em geral, administração de bens, construção civil e intermediação de negócios: 32%
- Outras atividades: margens intermediárias
Embora simplifique a apuração, o governo entende que o lucro presumido representa uma renúncia fiscal, pois muitas empresas recolhem menos impostos do que pagariam pelo lucro real.
O que muda com a proposta
Pelo texto do projeto, os percentuais de presunção serão elevados em 10% sobre a parte da receita que ultrapassar R$ 1,2 milhão ao ano.
Na prática, o projeto não cria um novo percentual fixo, mas determina um acréscimo de 10% sobre os índices já existentes. Isso significa que uma empresa de serviços, que hoje calcula IRPJ e CSLL sobre 32% da receita bruta, passaria a aplicar 35,2% na parcela que exceder R$ 1,2 milhão ao ano.
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O mesmo raciocínio vale para outros setores: no comércio, por exemplo, o percentual de presunção subiria de 8% para 8,8% na parte do faturamento que ultrapassar o limite anual.
Além do lucro presumido, a proposta também reduz em 10% incentivos vinculados a tributos como PIS, Cofins, IPI, contribuição previdenciária e Imposto de Importação. Ficaram de fora do corte benefícios constitucionais como Zona Franca de Manaus, Simples Nacional e a isenção da cesta básica.
O que dizem tributaristas
Para Guilherme Costa Val, tributarista e sócio do escritório Ayres Westin Advogados, o aumento tende a elevar a carga tributária de empresas que não possuem despesas dedutíveis relevantes.
— A migração para o lucro real somente ocorrerá caso as despesas dedutíveis da pessoa jurídica sejam relevantes, o que tende a não ser o caso para a grande maioria das empresas optantes pelo regime do lucro presumido — explica.
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Jéssica Garcia Batista, sócia do escritório PGBR, detalha que a medida altera a sistemática de apuração do lucro presumido, tradicionalmente considerada simplificada.
— Essa alteração não apenas aumenta o montante de tributos a pagar, como também modifica o caráter do regime, que sempre foi tratado pela Receita Federal como uma alternativa de simplificação, e não como um benefício fiscal — afirma. Segundo ela, isso pode pressionar preços, reduzir investimentos e comprometer a competitividade das empresas.
Carlos Eduardo Navarro, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, afirma que a simplicidade do lucro presumido é um fator decisivo para muitas empresas, além da carga tributária.
— Muitas vezes o lucro presumido não está atrelado só à carga tributária em si, mas também à simplicidade desse modelo, a necessidade de menor nível de comprovação de despesas e por aí vai. Agora, claro que qualquer mudança de aumento de carga pode ter sim alguma migração. O tamanho disso não dá para a gente dizer, mas é possível sim que haja migração — observa.
Guilherme Costa Val acrescenta que a migração só faz sentido quando as despesas dedutíveis forem relevantes, caso contrário, não há vantagem. Navarro lembra ainda que a reforma tributária prevista para 2027, que eliminará PIS e Cofins cumulativos, terá maior impacto sobre a escolha do regime tributário do que a elevação da base do lucro presumido.
— Quando a gente pensa na migração, é uma conexão com a reforma tributária, porque eu já tive vários clientes que a decisão entre real e presumido não tinha a ver com o Imposto de Renda e CSLL, mas sim com o PIS e Cofins . E essa questão me parece que muda radicalmente com a reforma tributária — acrescenta Navarro.
O regime de lucro presumido é frequentemente citado como um incentivo à pejotização, prática em que trabalhadores preferem atuar como pessoa jurídica em vez de CLT. Segundo Navarro, o aumento da carga tributária pode até reduzir essa prática, já que a vantagem fiscal do lucro presumido será menor.