Ayres Westin Advogados

Aplicação do conceito de insumo nas atividades comerciais para crédito de PIS/Cofins

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Por Aleksandros Markopoulou e Rafael Pescuma 

Apesar da insistência das autoridades fiscais em restringir o conceito de insumo para a apuração de créditos da Contribuição ao PIS e da Cofins no regime não-cumulativo, a realidade é que este conceito está evoluindo e se alargando cada vez mais, chegando agora até a alcançar as despesas incorridas para o desempenho de atividades puramente comerciais, rompendo o paradigma instaurado sobre a matéria mesmo nos dias de hoje.

Anteriormente, já escrevemos sobre o alargamento do conceito de insumo, mas sob uma ótica distinta, restrita ao direito à apuração de créditos como insumo sobre bens e serviços utilizados após o encerramento da produção, isto é, a aquilo que usualmente se chama de “pós-produção”. Aqui, o objeto é outro, alcançando atividades comerciais que inclusive prescindem de qualquer produção pretérita, tendo, portanto, um alcance muito maior.

E antes que se pergunte sobre a pertinência desse assunto considerando a eminente extinção dessas contribuições pela reforma tributária do consumo em 2027, é imprescindível que até lá todos os créditos que existam daqui em diante e nos últimos cinco anos sejam adequadamente apurados pelas pessoas jurídicas, sobretudo diante da possibilidade de após a extinção dessas contribuições se compensar esses créditos com débitos da CBS e assim revertê-los em eficiência econômica e competitividade.

Feito este breve introito, é necessário ainda que sumariamente tecer alguns breves comentários gerais sobre o conceito de insumo e o contexto em que ele se insere, para que então adentremos na aplicação deste conceito sobre as atividades comerciais.

Com as Leis nº 10.637 de 2002 e nº 10.833 de 2003 foi instituído o regime não-cumulativo dessas contribuições e foi então elencadas diversas hipóteses em que as pessoas jurídicas teriam direito a apuração de créditos, entre os quais especialmente (i) os “bens adquiridos para revenda” (inciso I) e (ii) os “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda” (inciso II).

Enquanto alguns enxergam nesses incisos uma clara segregação das atividades comerciais das demais, interpretando que para elas apenas seria permitido apurar créditos sobre os bens que forem adquiridos para revenda, excluindo então todas as demais despesas incorridas; outros enxergam uma especialidade de um e a aplicação residual do outro, interpretando que a permissão específica ao crédito sobre a aquisição de bens para revenda não implica que seria proibida a apuração de créditos sobre outras despesas que se subsumam ao conceito de insumo, ainda que incorridas na consecução de atividades eminentemente comerciais, tendo essa, portanto, caráter residual.

Tendência

E fato é que essa discussão perdura até os dias de hoje, embora uma crescente jurisprudência possa estar agora caminhando para solucionar esse dilema e permitir a aplicação residual do direito a apuração de créditos sobre insumos para qualquer espécie de atividade.

Isso se dá porque em 2018 o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.221.170, sujeito ao regime dos recursos repetitivos, que irradia efeitos vinculantes (Tema nº 779), definiu como insumo todos os bens e serviços que sejam essenciais e relevantes para a consecução da atividade econômica da pessoa jurídica, segundo se infere:

(b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte (REsp nº 1.221.170/PR, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 24/4/2018).

Desde então vem ganhando força uma interpretação mais ampla do conceito de insumo, para se permitir o direito à apuração de créditos não apenas sobre a produção de bens e a prestação de serviços, que estão literalmente contidos no artigo, mas sobre todas as atividades econômicas desempenhadas pela pessoa jurídica, sobretudo quando se tem em mente que as atividades comerciais são, como todos sabem, absolutamente indispensáveis para se auferir a receita que será, afinal, tributada por essas contribuições.

Demonstramos essa evolução do conceito em nosso artigo anterior quando comentamos sobre a jurisprudência que reconhece o direito à apuração de créditos dessas contribuições sobre, por exemplo, embalagens para o transporte de produtos acabados e serviços de armazenagem de produtos acabados, que a toda evidência são posteriores a produção e, portanto, alheios ao que as autoridades fiscais entendem passível de créditos.

E o fato é que se o conceito de insumo é então amplo o suficiente para alcançar não apenas a produção de bens e a prestação de serviços, mas todas as atividades econômicas desempenhadas pela pessoa jurídica, não há como negar seu caráter residual, não resistindo nem ao tempo e nem a uma análise mais detida a indevida interpretação empregada pelas autoridades fiscais de que o direito à apuração de créditos sobre a aquisição de bens para revenda excluiria o direito ao crédito como insumo sobre as demais despesas incorridas nas atividades comerciais que se enquadrem nesta categoria.

A noção de que a aquisição de bens para revenda e de insumo seriam mutuamente excludentes se pauta na enviesada interpretação de que o conceito de insumo se restringiria apenas a produção de bens e a prestação de serviços, mas a medida em que essa noção vai sendo preterida por uma mais moderna, que compreende todas as atividades econômicas, não remanesce um único fundamento capaz de mantê-la.

Inobstante, a Receita Federal insiste em restringir o conceito de insumo e assim também o direito à apuração de créditos dessas contribuições, para o que mais importa aqui argumentando pela inexistência de insumos na atividade comercial, como se denota do item 41 do Parecer nº de 2018 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit):

“2. INEXISTÊNCIA DE INSUMOS NA ATIVIDADE COMERCIAL […]

40. Nos termos demonstrados acima sobre o conceito definido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, somente há insumos geradores de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins nas atividades de produção de bens destinados à venda e de prestação de serviços a terceiros.

41. Destarte, para fins de apuração de créditos das contribuições, não há insumos na atividade de revenda de bens, notadamente porque a esta atividade foi reservada a apuração de créditos em relação aos bens adquiridos para revenda (inciso I do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003)” (grifos dos articulistas).

É o que também prescreve o artigo 176, § 2º, inciso XI, da Instrução Normativa RFB nº 2.121 de 2022, que não considera como insumos os bens e serviços que sejam utilizados nas operações comerciais, isto é, na atividade de revenda de bens, segundo se infere:

“Art. 176. Para efeito do disposto nesta Subseção, consideram-se insumos, os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços: […]

§2º Não são considerados insumos, entre outros: […]

XI – bens e serviços utilizados, aplicados ou consumidos em operações comerciais;” (grifos dos articulistas)

Visão do Carf

A despeito disso, o conceito de insumo traçado pelas autoridades fiscais vem sendo paulatinamente alargado pela jurisprudência, subvertendo o paradigma para até se reconhecer o direito à apuração de créditos sobre os bens e os serviços utilizados em atividades estritamente comerciais.

Isso é o que se pode observar de recentes precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a começar, por exemplo, pelo Acórdão nº 3201-010.282, em que reconheceu o direito à apuração dos créditos dessas contribuições como insumo sobre as despesas incorridas por um comerciante de café com a corretagem na aquisição dos grãos, conforme se infere:

“INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA. CREDITAMENTO. CORRETAGEM. POSSIBILIDADE.

A corretagem é, substancialmente, necessária à atividade exercida pelo contribuinte e está vinculada de forma objetiva com o produto final a ser comercializado, razão pela qual admite-se o creditamento de PIS e Cofins quanto aos referidos dispêndios. […]

Feitas tais ponderações e esclarecido o posicionamento desta relatoria, passamos a analisar o caso concreto posto em julgamento, importando destacar que a recorrente é empresa que comercializa no mercado interno e exporta café, tendo feito uso do crédito presumido da agroindústria sobre as aquisições de insumos de pessoas físicas, cooperativas, cerealistas e pessoas jurídicas que exerçam atividades agropecuárias” (Carf, Processo nº 15578.000145/2010-23, Acórdão nº 3201-010.282, relator Márcio Robson Costa, 3ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Sessão de 21 de março de 2023; grifos dos articulistas).

Nesse precedente, aliás, o relator se escora em dois outros acórdãos, o primeiro das câmaras baixas, Acórdão nº 3201-007.904, e outro da Câmara Superior, Acórdão nº 9303-007.291, empregando idênticos fundamentos, especialmente de que a falta de contratação da corretagem tornaria a atividade economicamente incerta, pois sem ela seria comprometida a eficácia econômica da operação, pela inadequada demora na sua realização, conforme se infere:

“Contudo, há que se apreciar a atividade econômica cafeeira dentro de sua própria lógica de mercado. Nesse mercado, o negócio sem a corretagem seria o mesmo que realizar a operação de compra e venda de insumos sem a participação de interveniente responsável pelo frete do insumo até o estabelecimento do comprador: possível, mas economicamente incerta.

Se há necessidade de operação eficaz na atividade, a atuação dos corretores passa a ser essencial, sob pena de haver demora ou dificuldades tais que inviabilizem a operação economicamente falando” (CSRF, Processo nº 15578.000142/2010­90, Acórdão nº 9303­007.291, relator (a) Jorge Olmiro Lock Freire, 3ª Turma, Sessão de 15 de agosto de 2018; grifos nossos).

Mas talvez onde a aplicação do conceito de insumo nas atividades comerciais é mais eloquente é no Acórdão nº 3201-012.196, no qual o Carf reconheceu o direito à apuração de créditos dessas contribuições como insumo sobre os serviços de veiculação de publicidade na internet, propaganda e marketing, provedor, manutenção e operação de plataformas eletrônicas e outros serviços de informática, conforme se infere:

“PIS. COFINS. CRÉDITO. VEICULAÇÃO DE PUBLICIDADE NA INTERNET PROPAGANDA E MARKETING. POSSIBILIDADE. Considerando a singularidade das atividades da Recorrente, tais despesas são essenciais e consideradas insumo a luz do Parecer Normativo COSIT nº 5, de 17 de dezembro de 2018 pois, a sua falta lhes priva de qualidade, quantidade e/ou suficiência.

PIS. COFINS. CRÉDITO. PROVEDOR, MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DE PLATAFORMAS ELETRÔNICAS E OUTROS SERVIÇOS DE INFORMÁTICA. POSSIBILIDADE.

Considerando a singularidade das atividades da Recorrente, tais despesas são essenciais e consideradas insumo a luz do Parecer Normativo Cosit nº 5, de 17 de dezembro de 2018 pois, a sua falta lhes priva de qualidade, quantidade e/ou suficiência.” (Carf, Processo nº 19311.720262/2017-65, Acórdão nº 3201-012.196, relator (a) Flávia Sales Campos Vale, 3ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Sessão de 26 de novembro de 2024; grifos dos articulistas)

Nesse precedente o relator considerou que, dadas a singularidade das atividades da pessoa jurídica, in casu a Netshoes, que desempenha notória atividade de e-commerce, incorrer em despesas com publicidade, propaganda e marketing, além dos demais serviços de informática, são essenciais para a consecução da sua atividade econômica e assim também para auferir receitas tributáveis por essas contribuições, pois como ela não tem estabelecimento físico seria impossível de outro meio captar clientes, como se denota:

“Portanto, existe apenas uma única forma de a Recorrente atrair novos clientes e gerar novas receitas: o investimento em publicidade, propaganda e marketing. A Recorrente não consegue chegar aos potenciais consumidores pela via tradicional (através de um estabelecimento em boa localização, por exemplo), sendo absolutamente necessária a divulgação da sua marca e das soluções integradas que oferece aos seus clientes. […]

No segmento de vendas online (plataforma de e-commerce), a empresa não existe se não investir em tecnologia. É simplesmente impossível existir e gerar receitas se não houver o investimento em tecnologias que permitam a exibição da plataforma online e a realização de transações através dela” (grifos dos articulistas).

Até então, o Carf somente havia reconhecido o direito à apuração de créditos sobre despesas com publicidade e propaganda quando as pessoas jurídicas tinham como atividade precípua a prestação de serviços dessa mesma espécie, sendo então a toda evidência insumo de um serviço de publicidade e propaganda, como ocorre por exemplo no Acórdão nº 3201-005.668, da Visa, sendo o precedente da Netshoes uma clara evolução acerca da matéria.

A despeito da inexistência de estabelecimento físico e outros argumentos circunstanciais próprio do caso, a realidade é que a medida em que se reconhece o direito à apuração de créditos como insumo sobre atividades comerciais já não se está mais adstrito apenas a produção e a prestação de serviços e se está a reconhecer o caráter residual do conceito de insumo, pilares que até aqui sustentaram a interpretação fazendária.

Esses são apenas dois exemplos que denotam a aplicação do conceito de insumo sobre as atividades comerciais, que se associada a crescente jurisprudência que amplia o conceito de insumo para todas as atividades econômicas exercidas pela pessoa jurídica nos conduzem a superação paulatina das restrições impostas pelas autoridades fiscais.

Com base nesses argumentos, concluímos, enfim, que o conceito de insumo e assim também o direito a apuração de crédito da Contribuição ao PIS e da Cofins está evoluindo e se alargando, chegando até a alcançar as despesas incorridas para o desempenho de atividades estritamente comerciais, rompendo com isso o paradigma instaurado entorno da matéria.

Publicado no ConJur.

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