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Reforma tributária e o mercado de derivativos de energia: Fato gerador do IBS e da CBS

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Por Enrique Loureiro e Raphael Alves

A reforma tributária de 2025 gera debates sobre a incidência de IBS e CBS nos contratos de derivativos de energia, com foco no consumo efetivo da energia.

No mundo empresarial, a busca por alternativas que otimizem as atividades, melhore a gestão e ampliem a segurança é uma prioridade. Nesse contexto, diversas ferramentas são exploradas para alcançar tais objetivos, destacando-se os contratos de derivativo que servem principalmente para proteção financeira ou para a obtenção de ganhos a partir das variações no valor de determinados ativos.

Os derivativos são instrumentos financeiros cujo valor decorre de um ativo subjacente, como índices, commodities, entre outros. Eles surgem por meio de contratos entre duas partes que assumem obrigações futuras, com base em condições previamente acordadas no momento da celebração do contrato.  O principal objetivo dos derivativos é permitir a negociação de compromissos futuros com fundamento na variação do preço de um ativo de referência.

No contexto do mercado de energia elétrica, os derivativos de energia desempenham um papel crucial ao oferecer maior lucro e segurança às empresas. Isso porque, sob a ótica da energia elétrica, o derivativo consiste em um contrato financeiro celebrado pelos consumidores livres de energia, que possuem demanda igual ou superior à de 0,5 MW1, cujo valor está ligado às oscilações do PLD – Preço de Liquidação das Diferenças.

Assim, por meio dos contratos de derivativo de energia “o investidor fixa o preço no momento da compra ou venda, o qual se mantém independentemente das mudanças dos preços que ocorrerem no mercado”2, o que confere previsibilidade ao consumidor livre quanto ao preço de aquisição da energia elétrica. Em outras palavras, os derivativos de energia elétrica representam “um mecanismo de proteção (hedge) contra a flutuação do preço da energia, ajudando a gestão de riscos e trazendo maior previsibilidade de resultados para as companhias que os contratam”3.

Nesse sentido, cumpre mencionar que o mercado de derivativos, inclusive os derivativos de energia, é disciplinado pela lei 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Por estarem inseridos no campo normativo da CVM, que tem como atribuições fiscalizar e disciplinar as operações no âmbito desse mercado, conclui-se que os derivativos não são simples contratos mercantis, mas instrumentos qualificados como “valores mobiliários” e, por consequência, inseridos no escopo dos serviços financeiros.

É justamente neste ponto que a reforma tributária sobre o consumo ganha relevância. Isso porque, o art. 181 da LC 214 de 2025 prevê que os serviços financeiros ficam sujeitos a regime específico do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços.

Nessa linha, vale destacar que o art. 182 da LC 214 de 2025 dispõe sobre o que seriam considerados serviços financeiros sujeitos ao regime específico do IBS e da CBS, descrevendo as operações tradicionalmente prestadas por instituições financeiras e outras atividades abrangidas pela legislação e pela regulamentação dos órgãos competentes, como a própria CVM.

Ressalta-se que não há uma menção específica aos derivativos financeiros no dispositivo. Todavia, o inciso III do art. 183 trata de operações com títulos e valores mobiliários, o que inclui os instrumentos financeiros derivativos, desde que envolvam atividades como aquisição, negociação, liquidação, custódia, corretagem, intermediação ou consultoria.

Somado a isso, a previsão do art. 192, § 7º, que inclui na base de cálculo do regime específico de tributação dos sérvios financeiros pelo IBS e pela CBS as receitas e despesas com instrumentos financeiros derivativos, poderia atrair a incidência dos novos tributos sobre essas operações com derivativos de energia. Dessa forma, as pessoas jurídicas que prestam serviços ligados a derivativos podem, em tese, estar sujeitas ao regime específico previsto para o setor financeiro.

Além disso, o art. 183 LC 214 de 2025 determina que a tributação no regime específico aplica-se exclusivamente para as pessoas físicas ou jurídicas indicadas no rol do seu §1º ou para empresas cuja atividade preponderante e habitual consista justamente no fornecimento de serviços financeiros para terceiros, não se aplicando a contratos isolados ou operações acessórias realizadas por contribuintes.

Isto posto, vale dizer que o Mercado de Derivativos de Energia vem sendo cada vez mais utilizado pelas empresas, tendo movimentado um total de R$ 2 bilhões no encerramento de 20244, valores esses que poderiam ser passíveis de enquadramento como instrumentos financeiros derivativos.

No entanto, a realização de operações com os derivativos de energia não é suficiente para atrair o regime específico de serviços financeiros, nos termos previstos pela legislação. Seriam necessárias outras características para que tais operações se qualifiquem como serviços financeiros, tal como indicado no inciso III do art. 182 da LC 214 de 2025, como a sua operacionalização com títulos e valores mobiliários.

Ainda, é importante destacar que, embora as operações com contratos de derivativos possam estar eventualmente abrangidas pelo regime específico aplicável aos serviços financeiros para fins de incidência do IBS e da CBS, as operações com energia elétrica seguem um regime específico de tributação, previsto no art. 28 da LC 214 de 2025.

Deste modo, mesmo que um contrato de derivativo de energia elétrica envolva o fornecimento de um direito de ordem financeira, o imposto só será devido quando houver o fornecimento da energia elétrica para consumo, conforme estipulado pelo art. 28, §1º, da LC 214 de 2025.

As disposições específicas contidas no referido dispositivo posterga a obrigação tributária para o momento do efetivo consumo da energia elétrica, mesmo nas operações em que envolvem direitos a ela relacionados – como no caso dos derivativos. Isso significa que o dever jurídico de recolher os tributos somente se configura quando há, de fato, o consumo da energia pelo usuário final e, portanto, o IBS e a CBS não incidem nas situações em que houver apenas operações negociais, sem o seu efetivo consumo.

Nesse cenário, ainda que se reconheça a natureza financeira dos derivativos de energia, a ausência de efetivo fornecimento de energia elétrica no momento da celebração do instrumento financeira impede a configuração do fato gerador do IBS e da CBS, uma vez que a tributação dos derivativos viola o art. 28 da LC 214 de 2025, que dispõe que nas operações com energia elétrica ou com direitos a ela relacionados, o recolhimento do IBS e da CBS será realizado exclusivamente no efetivo consumo do bem.

Logo, a norma prevista no art. 28 da LC 214 de 2025 contribui para a construção de um modelo tributário mais racional e alinhado à realidade operacional do setor elétrico brasileiro, assegurando segurança jurídica, previsibilidade e favorecendo o desenvolvimento de estratégias legítimas de gestão financeira por parte dos agentes econômicos, mesmo quando adotado os contratos de derivativo de energia elétrica.


Publicado no Migalhas.

  1. CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CCEE. Mercado Livre. Disponível em: https://www.ccee.org.br/mercado-livre-acl. Acesso em: 13 jun. 2025. ↩︎
  2. ESFERA ENERGIA. Derivativos de energia: o que são e como funcionam? 14 out. 2022. Disponível em: http://blog.esferaenergia.com.br/mercado-livre-de-energia/derivativos-de-energia. Acesso em: 26 maio 2025. ↩︎
  3. B3 Brasil Bolsa Balcão S.A. Derivativos de energia elétrica. Disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/registro/derivativos-de-balcao/derivativos-de-energia-eletrica.htm. Acesso em: 26 maio 2025. ↩︎
  4. BALCÃO BRASILEIRO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA. BBCE atinge R$ 2 bilhões em derivativos de energia. 30 dez. 2024. Disponível em: https://www.bbce.com.br/volume-energetico-negociado-na-bbce/. Acesso em: 26 jun. 2025. ↩︎

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