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JBS recebe aval de acionistas para dupla listagem e vai negociar ações em Nova York

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JBS, maior produtora de carnes do mundo, recebeu aval dos acionistas para seguir com a proposta de dupla listagem de ações, com negociações de papéis na Bolsa de Nova York e de certificados no mercado brasileiro. A decisão foi confirmada nesta sexta-feira, em assembleia extraordinária.

Com a mudança, as ações da companhia serão negociadas no Brasil a partir de BDRs, recibos que vão representar os papéis de uma nova controladora do grupo. Já as ações de referência serão listadas na bolsa americana (NYSE).

Em comunicado ao mercado, a JBS informou que a nova holding, chamada JBS N.V, assumirá o papel de controladora global e concentrará a sede jurídica do grupo na Holanda. A nova estrutura também inclui a criação da LuxCo, empresa sediada em Luxemburgo.

A proposta marca a concretização de um plano antigo da JBS de acessar o mercado de capitais norte-americano. A listagem em Nova York vinha sendo cogitada há mais de uma década como parte da estratégia de internacionalização. “O objetivo é destravar valor da Companhia, adequar a estrutura de capital ao perfil global e diversificado da JBS e ampliar a capacidade de investimento”, afirmou a empresa, em nota.

Pelo cronograma divulgado, o registro da controladora holandesa deve acontecer até 30 de maio. O último dia de negociação das ações da JBS na B3 está previsto para 6 de junho, com a estreia dos BDRs marcada para três dias depois. Já a listagem das ações na Bolsa de Nova York (NYSE) deve ocorrer em 12 de junho.

No ano, as ações da empresa acumulam alta de 20%. Perto do fechamento, às 17h, o papel tinha queda de 0,92%, negociado a R$ 41,87.

Mais poder para os irmãos Batista

A reestruturação prevê que a JBS N.V. tenha dois tipos de ações: a Classe A, destinadas ao mercado, e Classe B, com dez vezes mais poder de voto, que ficam nas mãos dos controladores e não são negociadas. Na prática, isso amplia a influência da família Batista nas decisões estratégicas, já que as ações Classe B ficarão concentradas na holding LuxCo, controlada pela J&F, que pertence aos irmãos Joesley e Wesley.

O poder mais concentrado acendeu alerta para investidores do mercado, apesar da leitura geral de que a operação deve impulsionar o valor da companhia.

Na prática, os irmãos Batista devem acumular cerca de 85% do poder de voto da companhia, calcula Igor Guedes, analista de frigoríficos da Genial Investimentos. Para ele, os acionistas minoritários fizeram um cálculo de curto prazo ao aprovar a operação, aceitando perder influência em troca de uma percepção de valorização das ações:

—Os controladores já tinham muito poder e agora vão concentrar ainda mais. Isso significa que eles vão poder decidir o rumo da companhia sem necessariamente consultar os minoritários, que ficaram com a promessa de ganhos.

Victor Bueno, analista da Nord Investimentos, concorda que a nova estrutura eleva o poder dos Batista e diz que esse é um dos riscos da tese de investimento na companhia. Ainda assim, diz que a listagem em Nova York faz sentido estratégico, já que amplia o acesso da JBS a investidores institucionais e a um mercado mais eficiente:

— Eles vão ter acesso não só a um número maior de investidores pessoa física, mas principalmente investidores institucionais — afirma Bueno, que lembra que as ações da companhia subiram mais de 30% desde março, quando o mercado passou a enxergar a operação como praticamente certa.

Margem de votação apertada

Em relatório, o Itaú BBA avaliou que a aprovação da listagem nos EUA reforça o cenário de valorização da JBS ao ampliar o acesso a investidores globais e facilitar captações em dólar. O banco manteve recomendação de compra do papel e estimou um potencial de alta de 21,7%, com preço-alvo de R$ 51, até o fim de 2025

Tanto a J&F quanto o BNDES, os dois maiores acionistas da companhia, se abstiveram da votação na Assembleia, deixando a decisão nas mãos dos minoritários. Até a véspera, na quinta-feira, o cenário era de rejeição à proposta. Documento oficial divulgado pela companhia indicava que 51,92% dos votos eram contrários à dupla listagem, enquanto 47,78% apoiavam a mudança.

Em comunicado, o CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, disse que o resultado final, de aprovação, demonstrou que os acionistas estavam “confiantes nos benefícios gerados” pela dupla listagem e pela mudança da estrutura societária.

A expectativa de Leonardo Alencar, analista de agro, alimentos e bebidas da XP, é que a listagem em Nova York reduza o custo de capital da empresa e ajude a viabilizar novas aquisições. Victor Nishioka, analista do setor agro da Ativa Investimentos, concorda que a listagem reforça a internacionalização da JBS e acrescenta que deve aproximar o valor da companhia aos de concorrentes globais, como a Tyson Foods.

“Com a dupla listagem, buscamos uma estrutura corporativa que reflita melhor a nossa presença global e as nossas operações internacionais diversificadas, além de facilitar a implementação da nossa estratégia de crescimento e agregação de valor”, afirmou, em nota, o diretor financeiro da JBS, Guilherme Cavalcanti.

A conclusão da operação ainda depende de aprovações regulatórias, como o registro da nova holding como empresa estrangeira na CVM e a autorização para negociação dos BDRs na B3, além da aceitação das ações da JBS N.V. pela Bolsa de Nova York. A previsão é que todas essas etapas estejam concluídas até meados de junho.

De açougue a gigante

A história da JBS começou de forma modesta, nos anos 1950, com um açougue em Anápolis (GO). O negócio cresceu fornecendo carne para os canteiros de obras de Brasília e, nas décadas seguintes, ganhou escala nacional com a marca Friboi, sob o comando dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

A virada internacional veio a partir dos anos 2000, com aquisições nos EUA e na Austrália, incluindo a americana Swift e a Pilgrim’s Pride, que se tornaria uma das maiores produtoras de frango do mundo.

O impulso contou com apoio do BNDES nos governos do PT, que fizeram da companhia uma das “campeãs nacionais”. Entre 2012 e 2022, a empresa comprou 22 concorrentes no Brasil e no exterior, e a receita partiu de R$ 75,7 bilhões para mais de R$ 375 bilhões. No ano passado, a empresa faturou R$ 416,9 bilhões.

Ao longo de mais de uma década, os planos de listar ações nos EUA foram adiados por crises econômicas e também escândalos envolvendo os donos da J&F, controladora da JBS, Joesley e Wesley Batista. Em 2017, gravações feitas por Joesley Batista revelando conversas com o então presidente Michel Temer deflagraram uma crise política e derrubaram os mercados. As converrsas foram relevadas pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim.

O caso levou os irmãos Batista a firmarem um acordo de delação premiada com o Ministério Público e responderem a processos por uso de informação privilegiada. Para superar entraves à listagem nos EUA, a JBS assinou acordos com o Departamento de Justiça americano e com a SEC em 2019.

Entenda a operação

Criada há 70 anos, a companhia hoje tem mais de 250 unidades produtivas em 17 países, 280 mil funcionários e atuação em mais de 180 mercados. Metade da receita vem dos Estados Unidos. O portfólio, ao longo do tempo, se diversificou. Além de carne bovina, frango e suínos, inclui ovos (com a aquisição da Mantiqueira Brasil), alimentos plant-based, salmão e até proteína cultivada.

Com a operação, a JBS será registrada como emissora estrangeira na CVM, o que significa que continuará sujeita a regras brasileiras do mercado de capitais. Segundo a empresa, a mudança não altera o valor econômico das participações dos acionistas. A proporção de troca será de 1 BDR para cada duas ações.

Como parte da operação, a empresa aprovou o pagamento de dividendos de R$ 1 por ação, com base na posição acionária do dia 23 de maio. O valor total distribuído será de cerca de R$ 2,2 bilhões, e o pagamento está programado para começar no dia 16 de junho.

Caso o acionista decida negociar diretamente as ações nos Estados Unidos, poderá solicitar o cancelamento dos BDRs e a conversão para papéis da NYSE, desde que tenha conta em uma corretora americana. Frações de BDRs serão agrupadas e vendidas em leilão, com repasse proporcional do valor aos investidores.

Sobre a mudança de sede da companhia para a Holanda, a expectativa é que a empresa ganhe eficiência na captação de recursos no exterior, diz Jonathan Mazon, sócio da área de Mercado de Capitais e Instituições Financeiras do Ayres Westin. Há também expectativa de ganhos fiscais, mas que não foram detalhados:

— Certamente fizeram essa conta, mas ela não está no material que apresentaram ao mercado — ressalta o advogado.

Para Ricardo José de Almeida, professor de Finanças do Insper, a movimentação da JBS deve ser vista também dentro de um cenário de maturação global do setor de proteína.

— Com vendas em ritmo lento e poucos ganhos de eficiência possíveis, as empresas estão se reestruturando para manter rentabilidade. A união (caso da fusão entre BRF e Marfrig) e a internacionalização são saídas naturais para preservar margens em um setor sob pressão.

Publicado em O Globo

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