Ayres Westin Advogados

Imposto Seletivo na Mineração: o Veto Presidencial ao Art. 413, I, da Lei Complementar n. 214/2025 e o Conceito de Destinação

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Por Jhonytan Mark da Silva e Victoria Cascaes Brito

1.   Introdução

Em 20 de dezembro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 132 (“EC n. 132”), que trouxe significativas mudanças no Sistema Tributário brasileiro. Popularmente denominada “Reforma Tributária do Consumo”, a EC n. 132 prevê a substituição de 5 (cinco) tributos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI1), por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pela Constituição sobre Bens e Serviços (“CBS”), art. 195, V, de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”), art. 156-A, cuja competência será compartilhada entre os estados e municípios.

Além da substituição dos cinco tributos acima, a EC n. 132 inseriu o inciso VIII ao art. 153 da Constituição Federal (“CF/1988”), outorgando à União a competência para instituir o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, a extração, a comercialização ou a importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

É natural que a criação de um novo tributo seja acompanhada de uma grande preocupação por parte daqueles que serão diretamente ou indiretamente afetados, sobretudo em razão da promessa do governo de que não haveria aumento da carga tributária2. Não poderia ser diferente em relação ao IS, cujo propósito, segundo o Governo Federal, é “meramente regulatório” e “busca desestimular o consumo de mercadorias e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”3.

Aliás, essa apreensão é potencializada em tributos criados com essa finalidade de incentivar o consumo ou não de determinadas mercadorias e serviços (agora, com a reforma, a melhor definição seria bens e serviços). Isso se dá, sobretudo, em razão da ausência de uma definição clara e assertiva do que se entende por caráter “meramente regulatório”, bem como em razão da subjetividade em relação à perspectiva do que são considerados itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Daí por que a criação do IS, com função dita “regulatória” – leia-se, extrafis- cal –, gerou inquietação no mercado, particularmente pelo setor da mineração, que será diretamente afetado. Afinal, de acordo com a EC n. 132, o IS incidirá sobre a extração, “independentemente da destinação”, hipótese em que a alíquota será de, no máximo, 1% (um por cento) sobre o valor de mercado do produto (art. 153, § 6º, VII, da CF/1988)4.

Por se tratar de uma reforma em âmbito constitucional, cuja regulamentação foi designada à legislação infraconstitucional, diversas dúvidas surgiram a respeito da incidência do IS sobre a mineração, especialmente quanto à correta demarcação da hipótese de incidência e base de cálculo. Fruto dessa delegação, no dia 24 de abril de 2024, o Governo Federal apresentou o Projeto de Lei Complementar n. 68/2024 (“PLP n. 68”), o qual deu origem à Lei Complementar n. 214, de 2025, que instituiu e regulamentou o IS.

O PLP n. 68 inaugurou uma série de novos debates sobre a regulamentação do IS e a sua compatibilidade com o texto da EC n. 132. No meio dessas polêmicas, o PLP n. 68 estabeleceu inicialmente que o IS, na extração, incide na exportação, muito embora a regra geral seja a não cobrança do tributo sobre operações com destino ao exterior (art. 411, I, do PLP). Em que pese tal disposição não tenha sido mantida para a redação final da Lei Complementar n. 214/2025, o veto ao seu art. 413, I, revela que a discussão sobre a incidência do IS sobre as exportações está longe de pacificada. Tal dispositivo dispunha que não incidiria o IS sobre as ex- portações para o exterior, mas foi vetado da Lei Complementar sob a justificativa de que tal disposição violaria “o inciso VII do § 6º do artigo 153 da Constituição, que determina a incidência tributária sobre bens minerais na extração, independentemente de sua destinação.”

Com efeito, o Governo Federal adotou o entendimento de que, quando o art. 153, § 6º, VII, da CF/1988, inserido pela EC n. 132, estabeleceu que o IS incidirá sobre a extração, “independentemente da destinação”, teria o Poder Constituinte estabelecido a incidência do IS, inclusive, na exportação. Atribuindo-se ao “termo destinação” o sentido de destino físico, não haveria, segundo o Governo, vedação para a incidência do tributo na hipótese em que o bem é remetido ao exterior.

O presente artigo, por sua vez, se debruçará exatamente sobre a incompatibilidade de referida interpretação com o texto constitucional aprovado com a EC n. 132, que, em nenhum momento, permitiu a incidência do IS sobre a exportação. Muito pelo contrário, a EC n. 132 estabeleceu a regra de que não pode haver a cobrança do IS em operações com destino ao exterior.

E não poderia ser diferente, uma vez que o Brasil, com base na neutralidade fiscal, adota o princípio do país do destino e, com isso, assegura que o país não exporte tributos. Muito além de uma política tributária, assegurar a ampla aplicação do princípio do país do destino possui o condão de fortalecer a economia nacional, com o aumento da competitividade no comércio exterior.

Assim, o presente artigo pretende investigar a correta acepção do termo “destinação” constante do art. 153, § 6º, VII, da Constituição Federal.

2.    A LC n. 214/2025 e os contornos do IS na mineração

Em linha com a EC n. 132, a Lei Complementar n. 214, de 2025, estabeleceu, como hipótese de incidência do IS, a produção, extração, comercialização ou importação de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, na forma do art. 409.

Ainda segundo o art. 409, mais especificamente no § 1º, são considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens classificados nos códigos Nomenclatura Comum Mercosul (“NCM”), listados no Anexo XVII, referentes a (i) veículos; (ii) embarcações e aeronaves; (iii) produtos fumígenos; (iv) bebidas alcoólicas; (v) bebidas açucaradas; (vi) bens minerais; e (vii) concursos de prognósticos e fantasy sport. Relativamente aos bens minerais extraídos (inciso “vi”), a LC estabelece a cobrança do IS sobre minérios de ferro, combustíveis e óleos de petróleo5 6.

Nesse ponto, vale a menção de que a inclusão desses itens como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente não foi acompanhada de qualquer motivação, como se depreende do Projeto ao Congresso acerca da incidência do IS sobre “bens minerais extraídos”7:

“Tributação sobre bens minerais extraídos

  • O Projeto propõe a incidência do IS sobre a extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural. A proposta prevê a incidência do IS na primeira comercialização pela empresa extrativista, ainda que o minério tenha como finalidade a exportação. Há também hipótese de incidência na transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido.
  • Nas situações em que as empresas utilizem o minério extraído em sua própria cadeia produtiva, o fato gerador foi definido como o consumo do bem mineral, cuja base de cálculo será definida por um preço de referência conforme metodologia estabelecida na Lei Complementar. Está prevista a redução da alíquota a zero para o gás natural que seja destinado à utilização como insumo em processo industrial.”

Ao tratar do critério temporal, ainda no antecedente, a LC estabeleceu que o ISS será monofásico (art. 410) e que se considera ocorrido o fato gerador (i) no primeiro fornecimento a qualquer título (art. 412, I); (ii) arrematação em leilão pública (art. 412, II); (iii) transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido (art. 412, III); (iv) incorporação ao ativo imobilizado (art. 412, IV); (v) da extração de bem mineral (412, V); (vi) no consumo pelo fabricante (art. 412, VI); e (vii) no fornecimento ou no pagamento do serviço (art. 412, VII).

A redação original do PLP, até 19 de julho de 2024, previa que o imposto seletivo incidiria, ainda, na exportação de bem mineral extraído ou produzido (art. 410, V, PLP n. 68). Entretanto, tal previsão foi excluída da redação final da Lei Complementar. Em seu art. 411, I, alínea a, o PL destacava que a imunidade do IS às exportações não se aplica à exportação dos bens minerais. Entretanto, tais disposições foram removidas da redação final da Lei Complementar n. 214/2025.

Em verdade, quando chegou ao veto presidencial, o projeto de Lei Complementar trazia disposição expressa em aparente sentido contrário: fez-se consta do art. 413, I, que o IS não incidiria sobre “as exportações para o exterior de bens e serviços de que trata o art. 409 desta Lei Complementar”. Tal inciso, entretanto, foi vetado, não constando da redação atual da LC n. 214/2025. Nas razões para o veto, fez-se constar:

“Em que pese a boa intenção do legislador, ao instituir cláusula geral de não inci- dência do imposto seletivo na exportação, o dispositivo viola o inciso VII do § 6º do artigo 153 da Constituição, que determina a incidência tributária sobre bens minerais na extração, independentemente de sua destinação. Registre-se, por oportuno, que a imunidade para exportações para as outras hipóteses do imposto seletivo está garantida pela aplicação direta do regramento constitucional.”

A criação do IS e a sua posterior regulamentação inauguraram uma série de discussões a respeito da finalidade e da eficácia da norma quando aplicável ao setor da mineração, especialmente em relação à sua hipótese de incidência e base de cálculo. No que importa ao presente artigo, entretanto, cinge-se a controvérsia ao fato de ter partido o Poder Executivo da premissa de que a incidência tributária sobre a exportação de bens minerais é permitida pela Constituição Federal.

3.    Imposto Seletivo na exportação

A EC n. 132, em seu art. 153, § 6º, I, estabeleceu, como regra geral, que o IS não incide sobre as operações de exportação. É certo dizer que, quando a CF/1988 utiliza as expressões “é vedado cobrar” ou “não incide”, são estabelecidas, na verdade, imunidades tributárias. Nesse sentido, o voto da Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do RE n. 474.132/SC8.

Em obra específica sobre o IS, o professor José Maria destacou que o dispositivo segue “a tradição jurídico-econômica de não se onerar a exportação de bens e serviços, deixando para a nação importadora a possibilidade e a soberania de tributar a importação desses mesmos bens, se assim entender conveniente”9.

Por sua vez, a controvérsia surge com o inciso VI do mesmo dispositivo, ao delinear que, na extração, o IS será cobrado “independentemente da destinação”. A utilização da expressão “independentemente da destinação” gerou uma série de debates sobre a possibilidade de o IS ser cobrado nas exportações de bens minerais. Havia, inclusive, a suspeita de que o Governo entenderia a “destinação” a que se refere a Constituição como destinação territorial – o que implicaria dizer que, mesmo na hipótese de os bens serem destinados ao exterior, eles poderiam sofrer com a incidência do IS, na contramão da regra geral de imunidade.

Essa suspeita, com as razões do veto presidencial ao art. 413, I, da LC n. 214/2025, se tornou uma realidade. Mas desde o avanço da tramitação do PLP n. 68 e da consequentemente regulamentação do IS já vinha se mostrando cada vez mais palpável. Afinal, fora estabelecido, nos arts. 410, V, c/c o art. 411, I, a, do PLP n. 68, até a redação de julho de 2024, que o IS incide na exportação de bem mineral extraído, na contramão da regra geral que estabelece a imunidade em operações de “exportações para o exterior”.

José Maria10 destaca que tal redação, criando exceção à imunidade da exportação, foi incluída tardiamente no texto do PLP n. 68. Em redação anterior à aprovada, a incidência sobre as exportações era vedada e havia previsão, inclusive, de que a lei estabeleceria a forma de devolução do imposto que a onerasse. O professor esclarece que o dispositivo parece atender aos pleitos internacionais de que produtos os quais contribuam com a emissão de carbono sejam tributados. Nessa perspectiva, o IS funcionaria como um “carbon tax”.

Entretanto, no ordenamento brasileiro, a tributação das exportações de extração de bem mineral não parece se alinhar ao princípio do país de destino amplamente adotado pela Constituição, tampouco aos compromissos regularmente assumidos pelo governo brasileiro, como será abordado no tópico seguinte.

4.   A imunidade das exportações e a adoção do princípio do destino

Muito embora a expressão “independentemente da destinação” admita uma interpretação ambígua e que, a rigor, poderia dar margem ao entendimento de que seria possível a cobrança do IS na exportação, essa leitura vai de encontro ao princípio do país do destino e aos compromissos que foram e vêm sendo assumidos pelo Brasil, inclusive na Reforma Tributária do Consumo.

Alinhado a uma política fiscal mais adequada à integração comercial entre as nações, a tributação no destino revela uma troca de elemento de conexão territorial, de maneira a assegurar uma carga tributária sobre as importações semelhante à carga tributária líquida sobre a cobrada no mercado doméstico11.

Segundo o Capítulo 3.1 das Guidelines da OCDE12, com fundamento no princípio da neutralidade tributária, “for consumption tax purposes internationally traded services and intangibles should be taxed according to the rules of the jurisdiction of consumption13”.

Mais especificamente sobre o IS, no Consumption Tax Trends de 2022, a Organização explicitou que os “excise taxes”, tal qual o IS, objetivam neutralidade internacional14. Assim, fica claro que o padrão internacional da tributação do consumo é o de privilegiar o princípio do país de destino, desonerando as exportações.

Conforme Ricardo Lobo Torres15, o princípio do país do destino, além de promover a igualdade e a neutralidade fiscal no comércio internacional, também concretiza o princípio da capacidade contributiva. É dizer, mais uma vez, que a tributação deve ocorrer apenas onde os bens e serviços são consumidos, evitando- se sua dupla tributação (no país exportador e no importador).

No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do destino no comércio internacional, com fundamento no princípio da neutralidade tributária (arts. 146-A e 170, IV, da CF/1988), ingressou por meio de regras de imunidades em operações que destinem mercadorias e serviços ao exterior.

Luís Eduardo Schoueri16, ao tratar da imunidade das exportações, defende que a sua função é de ordem sistemática, com o fim de repartição das competências tributárias e de oferecer coerência ao próprio sistema. O autor destaca que o constituinte, ao optar por tributar as importações e desonerar as exportações, consagrou o princípio do destino.

Essas imunidades representam uma restrição intransponível ao exercício da competência tributária por parte do ente federado, uma vez que excluem determinados fatos do campo de aplicação das normas tributárias. Por estas disposições constitucionais, é proibida a criação que institua tributos nas hipóteses reconhecidas como imunes, as quais devem ficar fora do âmbito da tributação.

No ordenamento jurídico brasileiro, são exemplos dessas regras de imunidade sobre as receitas de exportação aquelas previstas no (i) art. 149, § 2º, I, da CF/1988, para as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico; (ii) art. 153, § 3º, III, para o IPI; (iii) art. 155, § 2º, X, a, para o ICMS; e (iv) art. 156, § 3º, II.

É claro que as regras de imunidade relativas ao ICMS e ao ISS serão suprimidas com a entrada em vigor do IBS, criado com a finalidade de substituir esses dois tributos. Isso, por sua vez, não fragiliza, tampouco esvazia a longa caminha- da adotada pelo Brasil para se alinhar aos padrões internacionais e, com isso, adotar o princípio do país do destino.

Em verdade, evitar a “exportação de tributos” não se revela como uma simples política de boas-práticas fiscais. Muito pelo contrário, há um claro propósito de fortalecimento da economia de um país, que depende de saldos positivos expressivos na balança comercial. Em essência, as exportações devem exceder substancialmente as importações e, assim, permitir que os produtos nacionais exportados sejam competitivos.

No âmbito jurisprudencial, ao analisar a imunidade do PIS e da Cofins sobre as receitas decorrentes de variações cambiais ativas, oriundas de operações de exportação, no RE n. 627.815, o STF adotou como premissa exatamente a impossibilidade de exportar tributos. A relatora, Ministra Rosa Weber, ressaltou, em seu voto, que exportar tributos aumentaria o preço do produto brasileiro. O ministro Dias Toffoli reforçou o racional, afirmando que “a vontade do legislador é de não exportar tributos, e não de garantir não incidência tributária a operações internas, ou mesmo créditos gerados e aproveitados no mercado interno, por força da não cumulatividade”17.

Soma-se a isso o fato de que, muito alinhado ao propósito de não exportar tributos, o Brasil, por meio do Decreto Legislativo n. 30/1994, se perfilou aos padrões do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT, e, no seu art. XVI, consagrou, uma vez mais, o princípio da tributação no país do destino.

Daí por que a exposição acima revela ser temerário concluir que o IS pode incidir sobre as exportações, ainda que utilizada a expressão “independentemente da sua destinação”. Definitivamente, permitir que o IS incida sobre operações com bens minerais com destino ao exterior seria o equivalente a esvaziar, por completo, as demais determinações da CF/1988, que em nada foram modificadas pela EC n. 132, bem como os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Aliás, o IPI, seu antecessor, possui previsão similar, com a desoneração dos produtos com destino ao exterior (art. 153, IV, § 3º, III, da CF/1988)18.

Se acaso fosse a intenção do legislador constituinte excepcionar a regra geral de imunidade e permitir a incidência do IS sobre operações de exportação na extração do bem mineral, certamente o teria feito de maneira expressa. Aliás, sendo um dos pilares da reforma, o texto original da PEC n. 45/2019, que foi substituída pelo texto da EC n. 132, “a desoneração completa das exportações” figurava como fundamental para a competitividade das empresas brasileiras no exterior.

Mais uma vez sob a ótica jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) vem consagrando a tese da máxima efetividade das imunidades tributárias, de forma a avaliar a aplicação da regra com base na sua finalidade, que é evitar que se exporte tributos19. Aplicando-se a máxima efetividade à imunidade tributária ao caso em estudo, com o consequente reconhecimento de que não deve haver a exportação de tributos, é seguro dizer que as exportações de bens minerais não devem ser oneradas pelo IS.

A propósito, muito poder-se-ia dizer sobre, então, a finalidade da palavra “destinação” no art. 153, § 6º, inciso VII. Nesse aspecto, os professores Breno Vasconcelos e Thaís Shingai foram assertivos em destacar que a palavra se relaciona ao uso do produto da extração. Essa conclusão, longe de ser infundada, partiu de uma extensa pesquisa, na qual os professores identificaram que, ao longo do texto constitucional, a palavra destinação foi utilizada 17 vezes, sendo que, em nenhuma delas, o legislador utilizou da expressão para se referir ao destino físico:

“O próprio texto constitucional concede alguns exemplos. A palavra ‘destinação’ foi empregada dezessete vezes, das quais uma se refere ao IS-extração, ora debatido, sete se referem ao uso (ou repartição) de receitas tributárias (das quais cinco estão revogadas), oito se referem a uso de recursos públicos em geral e um se refere ao uso do patrimônio de entidades educacionais. Em nenhuma hipótese o texto constitucional empregou a palavra ‘destinação’ para se referir a destino físico, sentido que permitiria a interpretação de que o inciso VII do § 6º do art. 153 autoriza a incidência do IS-extração nas exportações.

Além do texto constitucional, a expressão ‘independentemente da destinação’ é frequentemente usada nas legislações estaduais de ICMS para se referir ao uso de mercadorias, a exemplo da Resposta à Consulta Tributária 28868/2023, do Estado de São Paulo, que caracteriza como autopeças as mercadorias com finalidade de integrar veículo automotor, ainda que não sejam utilizadas dessa forma pelo adquirente. (…)

Entendemos, assim, ser descabida, ilógica e imprecisa a eventual interpretação de que o IS-extração poderá ser cobrado nas exportações. A expressão ‘independentemente da destinação’ diz respeito à forma de uso do produto extraído.”20

Fernando Facury Scaff caminha no mesmo sentido e reconhece que a palavra destinação pode denotar uma série de significados, sendo, no mínimo, apressado interpretá-la como destinação territorial. Segundo o autor, a melhor internação seria no sentido de finalidade ou serventia21.

Essa é, em verdade, a única interpretação conforme a Constituição. De acordo com Lenio Streck, “as palavras da lei são constituídas de vaguezas, ambiguidades, enfim, de incertezas significativas. São, pois plurívocas. Não há possibilidade de buscar/recolher o sentido fundante, originário, primevo, objetificante, unívoco ou correto de um texto jurídico”22. Por essa razão, o sentido de qualquer expressão depende do contexto jurídico, cultural, social e econômico no qual está inserido23.

Nesse sentido, atribuir à palavra destinação o sentido de destino físico vai na contramão de toda a lógica constitucional e econômica em torno do princípio do destino, que busca desonerar as exportações e fortalecer a economia interna. Daí porque “é incongruente e inconsistente a interpretação de que a Constituição contempla a possibilidade de incidência do IS na exportação de bens minerais.”24

5.   Conclusão

O Imposto Seletivo, conforme a Constituição, não incide sobre exportações. A versão do PLP n. 68 aprovada pelo Congresso Nacional, alinhada à imunidade constitucional, previa no inciso I do art. 413 a não incidência do IS sobre exportações, juntamente com outras imunidades. No entanto, o Poder Executivo vetou esse inciso, sob o fundamento de que ele poderia ser aplicado a bens minerais extraídos, contrariando o § 6º do art. 153 da Constituição, que estabelece a incidência do IS sobre bens minerais na extração, independentemente de sua destinação.

A compreensão da expressão “independentemente da destinação” é uma questão cuja importância, como visto, liga-se à definição da competência tributária outorgada pela Constituição Federal para a cobrança do Imposto Seletivo, após a reforma tributária aprovada em 2023.

Enquanto o Poder Executivo da União adotou a definição de destinação territorial, uma análise sistemática da utilização do termo ao longo do texto constitucional revela que a melhor acepção da palavra é no sentido de finalidade, do uso que se dá ao bem a que se refere.

O veto ao art. 413, I, possui pouca consequência prática por dois motivos: (i) economicamente, a LC n. 214/2025 já onerava as exportações minerais, pois o IS incide na extração, mesmo que o produto seja exportado; (ii) o veto não altera o critério temporal da incidência do IS sobre bens minerais, que continua sendo a extração, nem muda a base de cálculo, que é o valor de referência do produto mineral bruto extraído.

Em conclusão, a tributação da exportação de bens minerais, como exposto ao longo deste artigo, extrapola, portanto, a competência delineada pela constituição e, simetricamente, a EC n. 132, ao desvirtuar o conceito de destinação, em desacordo com a tributação no destino, recepcionada no Brasil – como se observa pelas diversas previsões de imunidade para exportações.


  1. O IPI será mantido para os produtos manufaturados na Zona Franca de Manaus. ↩︎
  2. BRASIL. Secretária de Comunicação Social. Reforma não aumenta carga tributária atual. Secre- tária de Comunicação Social. 27 ago. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/ brasil-contra-fake/noticias/2024/08/reforma-nao-aumenta-carga-tributaria-atual. Acesso em: 05 nov. 2024. ↩︎
  3. BRASIL. Ministério da Fazenda. Reforma Tributária. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/apresentacoes/apresentacao–reforma-tributaria-para-o-brasil-crescer-ela-precisa-acontecer-02-8-2023. Acesso em: 03 nov. 2024. ↩︎
  4. No texto mais atual do PLP, essa alíquota será de 0,25%. ↩︎
  5. Itens classificados sob os códigos NCM’s n. 2601 (Minérios de ferro e seus concentrados); n. 2709.00.10 (Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos de sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais – Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos – De petróleo); n.2711.11.00 (Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos de sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais – Gás de petróleo e outros hidrocarbonetos gasosos. – Liquefeitos: – Gás natural); n. 2711.21.00 (Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos de sua destilação; ma- térias betuminosas; ceras minerais – Gás de petróleo e outros hidrocarbonetos gasosos. – No estado gasoso: – Gás natural). ↩︎
  6. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/clas- sificacao-fiscal-de-mercadorias/ncm. Acesso em: 03 nov. 2024. ↩︎
  7. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 68/2024. EMP. 15. Câmara dos Deputados. 08 jul. 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_ mostrarintegra?codteor=2450867&filename=EMP%2015%20=%3E%20PLP%2068/2024. Acesso em: 05 nov. 2024. ↩︎
  8. “O texto constitucional, como se vê, não faz uso do termo imunidade. Mas a jurisprudência deste Tribunal considera imunidade toda norma constitucional que vede a instituição de tributo, estabeleça ‘isenção’, determine a não incidência ou, mediante o emprego de qualquer outra expres- são, proíba determinada tributação, do que é exemplo o entendimento adotado por ocasião do julgamento da ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] n. 2.028-Distrito Federal acerca do conteúdo do art. 195, § 7º, da CF/1988, que estabeleceu imunidade valendo-se impropriamente do termo ‘isenção’. Isso porque as vedações ou proibições constitucionais à tributação constituem norma de (in)competência tributária a serem observadas pelos entes políticos.” (BRASIL. Supre- mo Tribunal Federal. RE n. 474.132. Recorrente: Inlog Logística. Recorrido: União. Relator: Gilmar Mendes. Brasília. 12.08.2010. Ementário 2442-1, Supremo Tribunal Federal, dez. 2010) ↩︎
  9. ANDRADE, José Maria Arruda de. Imposto Seletivo e pecado: juízos críticos sobre tributação saudável. Edição I. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, 2024, p. 136-137. ↩︎
  10. ANDRADE, José Maria Arruda de. Imposto Seletivo e pecado: juízos críticos sobre tributação saudável. Edição I. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, 2024, p. 138-139. ↩︎
  11. FOSSATI, Gustavo. PAULA, Daniel Gotti de. Tributação da economia digital na esfera interna- cional. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2022. v. 4, p. 74. ↩︎
  12. OECD. International VAT/GST guidelines. Paris: OECD Publishing, 2017, p. 38. Disponível em: https://w w w.oecd-ilibrary.org/docserver/9789264271401-en.pdf ?expires=1606153126&id= id&accname=guest&checksum=B96FA158463FDAFF3514C963229390F8. Acesso em: 04 nov. 2024. ↩︎
  13. Em tradução livre: “Para fins de tributação sobre o consumo, os serviços e intangíveis comercia- lizados internacionalmente devem ser tributados de acordo com as regras da jurisdição de consumo.” ↩︎
  14. Consta: “as with VAT, excise taxes aim to be neutral internationally. As the tax is normally collec- ted when the goods are released into free circulation, neutrality is often ensured by exempting the targeted goods from excise duties under controlled regimes (such as bonded warehouses) and certification of final export (again under controlled conditions) by customs authorities. Similarly, imported excise goods are levied at importation although frequently the goods enter into controlled tax-free regimes until released into free circulation.” (OECD. Consumption tax trends 2022: VAT/GST and excise, core design features and trends. Paris: OECD Publishing, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1787/6525a942-en. ↩︎
  15. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não-cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O princípio da não-cumulatividade. São Paulo: RT, 2004, p. 161. ↩︎
  16. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 420. ↩︎
  17. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 627.815. Recorrente: União. Recorrido: Incepa Reves- timentos. Relator: Rosa Weber. Brasília. 23.05.2013, Supremo Tribunal Federal, out. 2013. ↩︎
  18. Sobre o tema: “A EC n. 132/2023, nesse sentido, criou o Imposto Seletivo (IS), que substituirá o IPI e terá a função de desestímulo do consumo de bens e serviços que podem ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (externalidades estas não suportadas diretamente no preço praticado durante a decisão econômica de consumo)
    (…)
    Na reforma tributária aprovada e promulgada por meio da Emenda Constitucional (EC) n. 132/2023, a troca plena entre IPI e Imposto Seletivo, que parece ser uma premissa forte da refor- ma, convive com a ideia de que não caberá ao Imposto Seletivo alcançar o mesmo nível de arre- cadação do IPI, já que a regra aprovada, mais factível e desejável, estabelece uma comparação agregada entre os níveis de arrecadação do IPI, do PIS e da Cofins no cenário federal atual e o nível a ser arrecadado com o Imposto Seletivo e a também nova CBS. A EC n. 132/2023, nesse sentido, criou o Imposto Seletivo (IS), que substituirá o IPI e terá a função de desestímulo do consumo de bens e serviços que podem ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (externali- dades estas não suportadas diretamente no preço praticado durante a decisão econômica de consumo).” (ANDRADE, José Maria Arruda de. O novo Imposto Seletivo e o IPI da Zona Franca de Manaus. Revista Direito Tributário Atual v. 56, ano 42. São Paulo: IBDT, p. 386-400) ↩︎
  19. “Esta Suprema Corte, nas inúmeras oportunidades em que debatida a questão da hermenêutica constitucional aplicada ao tema das imunidades, adotou a interpretação teleológica do instituto, a emprestar-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efeti- vidade.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE n. 627.815, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 23.05.2013, Repercussão Geral – mérito public. 01.10.2013)
    “O art. 155, § 2º, X, ‘a’, da CF – cuja finalidade é o incentivo às exportações, desonerando as mercadorias nacionais do seu ônus econômico, de modo a permitir que as empresas brasileiras exportem produtos, e não tributos –, imuniza as operações de exportação e assegura ‘a manuten- ção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores’. Não incidem, pois, a Cofins e a contribuição ao PIS sobre os créditos de ICMS cedidos a terceiros, sob pena de frontal violação do preceito constitucional.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE n. 606.107, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 22.05.2013, acórdão eletrônico repercussão geral – mérito DJe-231 divulg. 22.11.2013 public. 25.11.2013)
    “A Corte vem optando por conferir tratamento privilegiado às diversas espécies de imunidades, de modo a atribuir-lhes a máxima efetividade possível. Um reflexo desta forma de compreender o instituto é que a imunidade só deve ser afastada mediante prova em sentido contrário produzi- da pela Fazenda.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ARE n. 808.340 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 02.12.2014, processo eletrônico DJe-250 divulg. 18.12.2014 public. 19.12.2014) ↩︎
  20. VASCONCELOS, Breno; SHINGAI, Thaís. O imposto seletivo na extração e as exportações. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/o-imposto-seletivo-na-extracao-e-as-exportacoes. Acesso em: 03 nov. 2024. ↩︎
  21. SCAFF, Fernando Facury. Incidência do Imposto Seletivo sobre bens minerais e sua exportação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jul-08/incidencia-do-imposto-seletivo-sobre-bens-minerais-e-sua-exportacao/. Acesso em: 04 nov. 2024. ↩︎
  22. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, 2000, p. 239. ↩︎
  23. ANDRADE, André Gustavo C. Dimensões da interpretação conforme a Constituição. Disponível em: https://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=d4d29181-ba2a-42f1-83da-fd93a- 5b86397&groupId=10136. Acesso em: 04 nov. 2024. ↩︎
  24. ANDRADE, André Gustavo C. Dimensões da interpretação conforme a Constituição. Disponível em: https://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=d4d29181-ba2a-42f1-83da-fd93a- 5b86397&groupId=10136. Acesso em: 04 nov. 2024. ↩︎

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